David Dias nasceu em parte incerta no primeiro dia do ano da graça de mil novecentos e setenta e nove. Uma criança doente, viria a ser considerado clinicamente morto catorze vezes antes de completar os dois anos de idade. Viu tantas vezes a “luz” que a primeira vez que andou de comboio no túnel do Rossio fico bastante satisfeito porque ao menos agora não tinha de ir a pé.

Apesar de todas as maleitas, iria no entanto tornar-se uma criança robusta. Com uma alimentação à base de sopas de cavalo cansado, gemadas e tintura de iodo, o petiz iria tornar-se um atleta de nomeada. Um brilhante corredor de fundo e com um talento inato para a prática de esqui alpino, que infelizmente nunca pode desenvolver por questões de geografia.

No entanto um grave acidente viria a por termo na sua carreira desportiva. Um violento ataque de caspa incapacitou-o permanentemente para a prática da alta competição.

Aos doze anos teve uma visão da Virgem Maria. Mas foi ao longe. Ainda por cima, como nunca tinham sido apresentados formalmente não lhe ligou nenhuma. Ficou famosa a sua frase “Não quero que o Monte-Abrão se torne na nova Fátima.”.

Devido a todos estes contactos com o infinito, David decidiu abraçar a vida religiosa. O destino parecia já estar traçado à nascença. A sua casa ficava ao lado de uma linda igreja e sempre teve como vizinho Jesus Cristo. Agora reencarnado na pele de um pregador de rua que habitava as pedras da calçada.

Apesar da vocação, não conseguiu entrar para o seminário. Os exigentes pré-requisitos não lhe permitiram seguir o sacerdócio. A incapacidade para aplicar a correctamente pronuncia de Viseu foi sempre o seu calcanhar de Aquiles.

Frustrado com a sua carreira profissional decidiu emigrar. Fez um pouco de tudo. O destino assim o obrigou. Apanha da fruta em França, construção civil na Suíça e cirurgia cardiovascular no hospital de Munique foram apenas algumas das tarefas desempenhadas pelo jovem David.

Mas foi numa plataforma petrolífera no Mar do Norte que uma mudança ocorreria na sua vida. Aí conheceu Agnetha. Uma lenhadora finlandesa com um metro e noventa de altura que bebia bagaços como gente grande. Foi amor à primeira vista. A química entre ambos era inegável. Apesar de David não saber uma palavra de finlandês e Agnetha ser surda-muda, nunca o entendimento entre duas pessoas pareceu mais simples e natural. Mas a tragédia chegaria. Aquilo que parecia uma relação eterna desmoronou-se com um castelo de cartas. Ao manobrar uma grua, Agnetha caiu nas gélidas águas nórdicas e nunca mais ninguém a viu. O nevoeiro cerrado levou para sempre aquela doce e bela alma.

Com o desgosto da perca, David voltou para casa. Entregou-se à bebida e a uma vida de decadência. Frequentador habitual de casas de putas, apanhou sífilis e uma dúzia mais de doenças venéreas que lhe davam uma imensa comichão no baixo-ventre.

Farto de se coçar, decidido a mudar de vida. Comprou umas pomadas e fazendo clisteres de Betadine na uretra eliminou toda a bicheza que lhe consumia o corpo.

Já sóbrio, foi raptado por extra-terrestres. Não passou no entanto pela humilhante experiencia de lhe fazerem testes físicos e enfiarem uma sonda no cu. Limitaram-se a colocar uma serie de questões a que ele não soube dar resposta e à hora de jantar já estava em casa.

Toda esta pacata existência manteve-se até ao seu trigésimo aniversário. A partir dessa data uma serie de acontecimentos iriam alterar a sua vida para sempre e de formas que jamais poderia imaginar. Esta é a sua história, relatada na primeira pessoa.

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